A 3ª Temporada de Barry (2018), a Ação e o Tédio

Bernardo de Quadros Bruno
4 min readJun 21, 2022

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É muito difícil falar de Barry, uma das melhores séries da atualidade, em um texto curto. A série da HBO criada por Alec Berg e Bill Hader aposta em uma linguagem que tenta unir mundos impossíveis: do humor a tragédia, da máfia a uma escola de atuação, do absurdo ao cotidiano, da ação ao puro tédio. A proposta do seriado de 2018 já é uma brincadeira com a tentativa de conciliar o inconciliável — um assassino de aluguel se muda para Los Angeles e tenta equilibrar a vida no crime com o sonho de se tornar ator. A partir dessa premissa absurda a série se desenvolve a partir desses núcleos. De um lado o crime e a máfia, de outro um curso de teatro com atores frustrados.

O ator, produtor, roteirista e diretor Bill Hader como o protagonista Barry Berkman

No entanto, Barry é muito mais que uma série que une o humor e o drama. Após a finalização dessa terceira temporada, em junho deste ano, está mais claro do que nunca que a obra se tornou como um playground de experimentação para Berg e Hader. É como se cada temporada se permitisse ter sua própria unidade, próprias características e atmosferas. Cada episódio tem, em média apenas 30 minutos, e também brincam com essas mudanças de gênero e atmosfera. Por isso que é impossível escrever sobre a série como um todo com poucas palavras. Mas existe um episódio específico dessa terceira temporada que vale a pena falar com exclusividade: “710N”, o sexto episódio.

“710N” me parece uma continuidade estética de uma experimentação que já estava presente em “ronny/lily”, o quinto episódio da segunda temporada, sendo que ambos os episódios foram dirigidos por Bill Hader. “ronny/lily” consiste em trinta minutos de pura ação: Barry deve assassinar uma pessoa que ele não quer matar de jeito nenhum. Ele tenta o diálogo, mas acaba partindo para lutas extremamente físicas, lentas e desgastantes em planos-sequência. A situação vai evoluindo com muito humor e com o elemento chave da série: a conciliação entre o absurdo da ação e o cotidiano. Enquanto as lutas evoluem e ganham novas dimensões, os personagens parecem agir com normalidade, a cidade parece não se importar.

Cena do episódio “ronny/lily”

A presença física de Bill Hader é como a de um Jackie Chan sem a maestria das artes marciais. Ele mais apanha do que bate, está vestido com uma roupa ridícula e hesita o tempo todo, diversas vezes fugindo da ação. As câmeras acompanham a ação com a maior frontalidade: tudo bem enquadrado, com quase nenhum corte brusco e com a percepção clara de cada movimento e reação. “ronny/lily” é uma obra-prima da ação e explora sua relação, inevitável, com o humor tal como os grandes atores do cinema de Hong Kong.

Se em “ronny/lily”, Hader está para Jackie Chan; em “710N” o ator está mais para o astro do cinema mudo Buster Keaton. Na terceira temporada, o protagonista Barry aceita seu lado obscuro e entra num estado depressivo. O personagem encara absurdos com naturalidade e volta a matar com frieza e distanciamento. As câmeras acompanham isso: o que antes era um grande drama existencial agora é apenas mais uma bala, mais um corpo…

Cena da perseguição de moto no episódio “710N”

É nesse contexto de apatia que uma “emocionante” perseguição de moto se inicia no meio do centro de Los Angeles. Enquanto isso, Barry só quer chegar no seu destino com sua sacola de doces intacta. Nosso protagonista não quer se envolver com a ação, com a emoção e com os tiros e a encenação acompanha a perspectiva do personagem.

Uma piada recorrente em Barry é explorar a profundidade de campo e a multiplicidade de acontecimentos: enquanto algo muito importante acontece no plano de fundo, algo banal ou humorístico está em destaque. É quase isso que Bill Hader propõe com sua encenação única: como filmar uma perseguição do jeito mais sóbrio, distanciado e estático possível? As tomadas grandiosas complexas, longas e repletas de acrobacias parecem ficar no plano de fundo do que realmente importa na cena. Enquanto uma das melhores cenas de ação da televisão acontecem ao fundo, em foco temos um protagonista que só quer chegar logo no seu destino em paz.

O cinema da ação e do tédio de Keaton

Barry (e Hader) não se deixa afetar por todos os planos grandiosos que o rodeiam. Como um inexpressivo Buster Keaton que parece reagir com tédio a tudo de absurdo que acontece em sua volta. Bill Hader não utiliza uma trilha sonora emocionante, ouvimos apenas o som dos carros ao redor e do vento, a câmera não se permite a menor tremida. Tudo filmado do jeito mais anti-climático e banal possível (o que só torna tudo que acontece na tela o mais emocionante possível). Se em um filme como Heat — Fogo Contra Fogo (1995), Michael Mann filmava o espaço público em disputa e em alerta em meio à violência; Barry encena a mesma L.A. sob o ponto de vista da naturalidade. Todo dia alguém é assassinado, uma grande cena de ação absurda acontece e parece que ninguém liga. O tédio em sua forma mais maravilhosa e encantadora.

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