Succession — 3ª Temporada e a recusa pelo fanservice e pelo spoiler

Bernardo de Quadros Bruno
4 min readDec 22, 2021

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Se filmes como Homem Aranha: Sem Volta Para Casa e Vingadores: Ultimato são uma carta de amor para os fãs da Marvel, uma série como Twin Peaks: The Return é uma carta de ódio aos fãs da série original de 1990. Uma “volta para casa” depois de 25 anos que mostra o sonho americano como um antigo programa televisivo fabricado: os heróis caíram no ostracismo e nas drogas, os personagens são letárgicos, o protagonista é uma imitação catatônica de sua versão original agora decadente, a fotografia digital artificial revela uma feiura inerente naquilo tudo. The Return destrói tudo que nos confortava, tudo que um fã queria ver na sua televisão no fim de semana comendo torta de cereja e bebendo café. E tá, a terceira parte de Succession tá bem longe de ser tudo isso — até porque agradou a maioria dos fãs e da crítica — mas ainda é uma temporada que foi bem longe do esperado, na minha opinião.

O final da segunda temporada é até agora um dos momentos mais empolgantes da obra: Kendall, personagem mais amado pelos fãs da série, finalmente toma uma posição contra seu pai, Logan, o personagem mais odiado da série. O clímax é ainda mais potente se acompanharmos a derrocada de Kendall durante a segunda temporada, que vira praticamente um servo de seu pai após uma série de chantagens contra o possível sucessor da Waystar. A própria segunda temporada deve ser o momento mais dinâmico e repleto de intrigas, plots e subplots de Succession até agora, como a tentativa de aquisição da Pierce pelos Roy, o escândalo dos cruzeiros sendo julgado pelo Congresso ou a indicação da Shiv como possível sucessora pelo pai. E o cliffhanger para a próxima temporada não podia ser melhor, convenhamos. Quem não se empolgou como um fã do homem-aranha ao ver o Kendall finalmente tomando uma posição no momento decisivo.

E a terceira temporada subverte todas nossas possíveis expectativas. Os primeiros episódios e os pôsteres dão a entender que Kendall e Logan irão tramar uma disputa acirrada pela Waystar e que os personagens terão que se dividir, trair um ao outro, para chegar ao topo e escolher um líder em um empolgante jogo estratégico. Nove episódios se passam. A cada episódio o Kendall se humilha mais a mais, retorna ao seu estado mais medíocre e hiperativo, cometendo erros atrás de erros por motivos puramente egoicos e infantis. Não tem fã do personagem que não se irritou com esse frustrante e trágico arco narrativo, apesar de totalmente apropriado. No final das contas, Logan Roy sai vencedor facilmente, como sempre.

Nessa terceira temporada, o Jesse Armstrong — showrunner da série — volta a deixar bem claro que Succession não tem heróis. Não tem finais felizes, não tem grandes plots ou avanços narrativos. Eu, pessoalmente, acho um saco a pessoa que não consegue sentir afeto e carinho pelos personagens de Succession. Por mais que seja uma grande crítica, uma paródia, em que devemos rir daquelas pessoas e não junto àquelas pessoas, a graça da série é essa contradição. É sobre simpatizar profundamente com hereditários ricos, até torcer por esses personagens numa espécie de CPI em que os personagens estão tentando acobertar escândalos sexuais da empresa. Mas, sim, esses personagens não são bons e podemos gostar deles também. Além de tudo isso, é uma temporada em que praticamente nada de substancial acontece, não tem grandes avanços nos arcos narrativos. Tirando o último episódio, acho que não existe nenhum grande spoiler na temporada.

Em uma época em que milhares de pessoas lotam cinemas e pré-estreias simplesmente para evitarem spoilers, Succession escolhe um certo minimalismo narrativo. Esses dias eu tava conversando com um amigo meu noveleiro e ele disse como as novelas são quase uma resistência às séries da Netflix movidas pelo spoiler, pelos plots. Movidas por querer saber o que acontece no próximo episódio, o que te faz maratonar tudo em um fim de semana. Se na série o spoiler é crime, na novela ele é muito bem-vindo, estando presente em qualquer revista ou perfil de fofoca no Instagram. Todo mundo quer saber se tal personagem vai ter um infarto, se vai ter uma traição ou um barraco. A novela valoriza o momento da cena, da discussão, do barraco, da morte, muito mais que qualquer série puramente movida pelo acontecimento narrativo e pela grande revelação. Nessas séries de streaming o mais comum é se viciar instantaneamente e depois esquecer cada segundo que você acabou de assistir.

Ainda bem que Succession se enquadra perfeitamente nessa filosofia das novelas. É uma série em que o spoiler pouco importa, todo mundo quer ver a piadinha do Roman, a provocação do Kendall, a “patada” da Shiv ou o “fuck-off” do Logan. E a terceira temporada levou isso a um novo máximo, rejeitou grandes acontecimentos narrativos em prol dos pequenos (mas grandiosos) momentos. É uma obra que valoriza cada episódio, cada personagem, cada diálogo falado e gritado. Se o maior pecado das séries de TV hoje em dia é desvalorizar os momentos individuais por sempre pensarem em um todo, em uma obra “maratonável”; a HBO continua a produzir verdadeiros filmes de 50 a 60 minutos em que cada episódio contém uma obra individual com seus momentos próprios e inesquecíveis.

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